Em sua simplicidade e desapego, estes grandes sábios do passado não deixaram templos nem monumentos em pedra, mas uma bebida que encanta por sua perfeição alquímica. Com efeitos curativos para o corpo e a alma, a essência viva da natureza que toma corpo neste líquido é capaz de despertar a memória espiritual e de realinhar o ser humano com o real propósito de sua existência. Além de toda sua potência espiritual, o Ayahuasca nos surpreende ainda pela perfeita fusão química dos vegetais que compõe sua formulação.
As duas ervas que compõe o Ayahuasca são a folha da Psycotria Viridis, também conhecida no Brasil como chacrona ou rainha, e cipó Banisteropis Caapi, popularmente denominado mariri ou jagube.
A chacrona possui a substância dimetiltriptamina, ou DMT. O DMT é produzido de forma natural pelo organismo humano, e funciona como um ativador do cérebro, despertando algumas de suas faculdades adormecidas e ampliando nossa consciência, intuição e raciocínio. O DMT isolado em laboratório e utilizado em sua forma pura pode produzir efeitos destrutivos no corpo humano, devido basicamente a um mecanismo regulador da atividade cerebral, que leva a glândula pineal a produzir uma enzima chamada monoamida oxidase (MAO), bloqueando os efeitos do DMT. Ao ingerir o DMT em sua forma pura, o cérebro detecta este “extra” como um desequilíbrio, e libera a produção de MAO. Com isto se faz necessário uma dose elevada de DMT, capaz de ultrapassar a capacidade da pineal de produzir a MAO, a fim de se obter efeitos capazes de expandir a consciência. Infelizmente, desta forma ocorre um stress da glândula pineal, que produzirá o inibidor MAO até seu esgotamento, gerando um desgaste que ao invés de fortalecer exaurirá o cérebro e o organismo como um todo.
Entretanto, o cipó mariri possui os alcaloides harmina, tetrahidroamina e harmalina, capazes de inibir a produção de MAO. Desta forma uma pequena e inofensiva dosagem do DMT pode atuar livremente no cérebro, sem gerar nenhum desgaste no organismo humano.
Se pensarmos na imensa variedade da flora amazônica, podemos concluir que seria impossível, pelo acaso ou pela simples experiência descobrir e fundir estas duas plantas. Considerando ainda a idade milenar do Ayahuasca, datando de uma era na qual não existiam as tecnologias que hoje nos são accessíveis, podemos intuir e intrigarmos com a capacidade e conhecimento dos povos antigos que descobriram esta poção.
Além destas substâncias, estas duas plantas possuem uma grande diversidade de alcaloides psicoativos, inclusive a telepatina, que estimula a área cerebral relacionada à faculdade da telepatia.
Mas, muito mais do que por seus efeitos químicos, o Ayahuasca surpreende pela essência espiritual, por sua profunda sabedoria e pela mensagem de amor e de vida que ela nos brinda.
Ayahuasca é um ser vivo e inteligente, um espírito da natureza que interage com o humano, que fala no profundo de nossa alma e nos ensina o caminho para rompermos com o estupor de nossa inconsciência e sermos livres. Atuando diretamente em nosso DNA, esta medicina sagrada desperta a memória ancestral de nosso ser, deixando aflorar a luz de nossa essência original.
E, mais do que isto, o Ayahuasca nos ensina a curarmos nossas feridas emocionais, expurgando amarguras e tristezas, e a nos realinharmos com a vida que pulsa em nossas veias. Isto significa uma profunda viagem, onde serão rasgados os véus de toda hipocrisia interna, para confrontarmos a raiz de nossos medos e angústias, as sombras de nossas ilusões e atravessar pelos recantos mais obscuros e abandonados da alma. Desta forma, o Ayahuasca nos expõe a totalidade daquilo que somos e de tudo o que contemos em nosso âmago, propiciando uma crua experiência sobre a medida e as consequências do desamor que praticamos para conosco mesmos, e um preciosíssimo aprendizado sobre o poder curativo do amor.
O consumo ritualístico do Ayahuasca é permitido e protegido pelas leis brasileiras. A ingestão desta bebida é uma prática secular entre os povos indígenas da Amazônia, havendo se expandido, desde a segunda metade do século XX, para outras regiões do Brasil e do mundo. A polêmica em relação ao seu uso, devido a suas propriedades psicoativas, despertou a preocupação das autoridades judiciárias nacionais, acarretando numa ampla investigação, ocorrida nos anos de 1986 e 1987, sob ordem do CONFEN (Conselho Federal de Entorpecentes). Foi então designada uma vasta comissão interdisciplinar, composta por médicos, psicólogos, sociólogos, teólogos, antropólogos, filósofos e psiquiatras, entre outros. A conclusão dos estudos foi favorável à legalização do uso do Ayahuasca, uma vez que as comunidades estudadas demonstraram índices de desenvolvimento sanitário, educacional, social e econômico igual ou acima da média das demais comunidades regionais, e que não foi detectada nenhuma periculosidade ou toxicidade na bebida, nem a possibilidade de indução ao vício.
O estado alterado de consciência produzido pela ingestão do Ayahuasca dificilmente pode ser confundido por quem o experimentou com uma alucinação. As visões propiciadas pelo Ayahuasca falam à alma, contêm mensagens, instruções e ensinos, desvelando um universo sobre interno mais amplo, mas extremamente claro e entrelaçado à realidade de quem a bebe.
Beber o Ayahuasca é uma experiência interna, um mergulho em sua própria natureza, um confronto com seus fantasmas e a possibilidade do resgate da sabedoria adormecida na essência do ser humano.
